segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Contratempos

      Na ânsia das virgindades, de corpos se entrelaçando entre carnes quentes mergulhadas em suor e gemidos, enfim nascia um amor irrestrito. Na música ambiente semeada com solos eróticos de saxofone, beijos e mordidas se misturavam ao ritmo do jazz, a costura perfeita para o sentimento em chamas. Dentes e cabelos, pedaços tênues de sorrisos espalhados em cima da cama, e corpos em contato, tentáculos em êxtase no meio do quarto, dançando em ritmo frenético, mesmo em movimentos suavizados pelas curvas dos corpos. Os olhos se encarando, se mergulhando, se dissolvendo à meia luz, uma outra dimensão sendo criada, um teletransporte momentâneo para outro planeta, outra galáxia, onde risos eram moeda de troca, e enfim o clímax sendo alcançado entre os três: o rapaz, a moça, e o saxofone. Assassinato de duas virgindades ao mesmo tempo, e o cansaço tomando conta dos corpos, agora destilados um do outro, em cima dos lençóis. Agora, sorrisos dominavam os rostos, e os olhares brilhantes diminuíam sua intensidade para apenas uma contemplação. 
      Do lado de fora, pesados pingos de chuva começavam a golpear o telhado, simulacro de aplausos para a cena, interpretada fielmente sem a necessidade de ensaios.

sábado, 13 de julho de 2013

Vôo Noturno

      Amassou o bilhete embebido com lágrimas na mão esquerda, e enfiou dentro do bolso da jaqueta. O peso da atmosfera dentro de casa era insuportável. Sabia o que fazer. Pegou a chave da motocicleta, e mais uma vez saiu, rasgando a escuridão da madrugada, cortando a noite fundo, como incisão de navalha na pele. A lua nova, sorrindo do alto, parecia zombar dos ecos agudos que esmagavam seu peito, como uma pedra imóvel sobre o músculo cardíaco.
      A moto, companheira fiel, respondia aos estímulos como se sentisse a mesma dor na alma. O acelerador, a comunicação inegável entre homem e máquina, era um elo quase inexistente, tamanha cumplicidade entre os dois. As lágrimas que brotavam dos globos oculares do rapaz, secavam imediatamente devido ao vento que ia de encontro ao rosto retorcido.
     A rodovia estava vazia. O único som que se ouvia era o lamento profundo do motor, como choro agudo, reflexo imponente da tristeza que dominava a dupla. O farol expelia uma luz trêmula, como se também estivesse aos prantos. A máquina entendia a dor. Era a única. A única que merecia confiança. A única que merecia a cumplicidade.
      A estrada ia sendo engolida avidamente pelos dois. Quilômetros de revolta, quilômetros de nó na garganta. As estrelas, salpicadas no céu, como pingos de tinta branca espirradas em fundo preto, espionavam o desenrolar do ritual, que se tornara comum nos últimos meses. Em cada curva, um pedaço do sentimento era esquecido, deixado na estrada. Soluços sinceros eram distribuídos ao longo da rodovia, e ali eram enterrados sob o asfalto.
     Agora, depois de algum tempo acelerando, o rapaz se sentia mais leve. Sem diminuir a velocidade, tirou o bilhete do bolso, e arremessou na estrada. Seus pensamentos tinham sido desintegrados, esfarelados e levados pelo vento forte no rosto. Agora, sentia o impacto do vento e sentia como se flutuasse. Olhando novamente para a lua nova, percebeu que agora o sorriso era de aprovação. Mais uma vez, a rodovia, o vento e a motocicleta tinham feito seu trabalho: apagar lembranças.
      O Vôo Noturno fora útil, novamente: transformara em poeira a pedra que jazia em seu peito. E, do outro lado da cidade, uma moça se debatia, com o pescoço dentro de um nó de forca, depois de enviar um bilhete amassado pelo correio.